Rota Cultural Fonte da Senhora - Benedita Três versões da lenda

Terra Mágica das Lendas
Rota Cultural Fonte da Senhora - Benedita
Três versões da lenda

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A lenda para uma rota

Na a preparação da Rota da Fonte da Senhora (Benedita), a investigação foi baseada na recolha de registos escritos e orais sobre a lenda associada à freguesia. Os textos que se seguem foram revistos durante uma série de três tertúlias participadas pela comunidade em 2017.

Leia aqui as três versões: 




A Lenda de Frei Agostinho de Santa Maria  
[…] Junto de Santa Catarina, uma das treze vilas dos Coutos de Alcobaça, está uma freguesia chamada “nossa Senhora a Benedicta” (1).
Nesta Igreja venera-se uma milagrosa Imagem da Mãe de Deus, que apareceu naquele sítio há trezentos anos, pouco mais ou menos, segundo a tradição dos moradores.
Conta-se que, vindo uma menina de uma fonte ali perto, com a sua bilha de água à cabeça, acompanhada por dois rapazes que seriam seus irmãos ou parentes, lhe apareceu nossa Senhora e lhe mandou que dissesse a seu pai e à gente daquele lugar que lhe edificassem ali uma Casa.
Este acontecimento é atestado por uma pedra, onde ficaram estampadas três pegadas da Senhora.
E diz-se também que, quando esta amorosa Mãe dos pecadores apareceu à menina, a cercou uma nuvem ou névoa, que a encobriu dos rapazes que vinham na sua companhia.
A menina foi andando para casa com a sua bilha e, no caminho, dirigiu-se ao pai que andava a lavrar com dois bois e disse-lhe o que a Senhora mandara.
O pai deu tão pouco crédito ao que a filha lhe disse, que a repreendeu! E no fim da repreensão, acrescentou que tanto era verdade o que a filha lhe dizia, como estarem os dois bois com que lavrava… deitados.
Caso maravilhoso! No mesmo instante caíram os dois bois em terra. E o lavrador, vendo o sucedido, acreditou logo sem dificuldade no recado e fez voto à Senhora de carregar toda a pedra que fosse necessária para a sua Ermida.
Espalhando-se este milagre, acorreram todos os aldeões, que trataram logo de edificar à Senhora a Casa que Ela pediu. Começaram a construir no lugar onde hoje se vê uma Cruz, junto à estrada que vai de Alcobaça para Lisboa.
Porém, tudo quanto os aldeões faziam de dia, amanhecia pela manhã lançado por terra. Com isso entenderam que não era aquele o lugar que a Senhora queria. E por isso resolveram construí-la onde hoje está, que é perto do local onde a Senhora apareceu à menina…
E junto à fonte afirmam que está a pedra em que a Senhora deixou estampadas as pegadas.
Também referem que enquanto durou a obra, deu nosso Senhor água milagrosamente, para que não tivessem o trabalho de a carregar.
«Mandaram logo fazer uma Imagem da Senhora, que se faria segundo a informação da menina. É de pedra, e terá quatro para cinco palmos, porém é formosíssima e tanto que todos os que a veem ficam suspensos à sua vista. Está sentada numa cadeira; tem o menino reclinado no regaço, e com a mão direita está tirando o seu virginal peito, e o está dando ao belo infante, o qual com a sua mãozinha direita lhe pega com aquele jeito, que os meninos costumam, quando pegam o peito às mães; e a esquerda tem estendida sobre o joelho esquerdo: e a senhora está com a mão esquerda acompanhando ao Menino pelas costas, para com mais descanso possa tomar o peito. Admiravelmente estão feitas e trabalhadas estas Imagens quanto à escultura e na pintura estão tao ricamente encarnadas, que parecem vivas: as mãos da Senhora, parece que se estão movendo. A túnica da Senhora é branca e toda semeada de estrelas de ouro. Está cingida com uma correia preta, com uma laçada da maneira como a costumam trazer os filhos de Santo Agostinho meu pai, junto à fivela de que pende a metade que desce da pintura para baixo. Vê-se também estar calçada com uns sapatinhos pretos, cujas pontas de veem semeadas também de rosinhas de ouro. Os olhos vêem-se e com uma modéstia toda soberana inclinados para a terra. Todos pasmam à vista da formosura e perfeição desta Santa Imagem, e da viveza da sua encarnação e que sendo pintada há tantos anos, não se vê nela a menor imperfeição na cor, parece antes que se vê em cada instante de cor mais viva e mais formosa. Referia um homem daquele lugar (no ano de 1691 que foi quem nos deu esta relação) morador no casal dos Guerras e dos mais antigos dele de idade de 90 anos (porém ainda com perfeito entendimento, e com grandes notícias de coisas antigas) que seu pai vivera 128 anos e seu avô 130 e que a um e a outros ouvira que nunca aquela Senhora fora pintada depois que se fizera. E muitos pintores examinaram aquela encarnação e pasmam dizendo que tudo naquela Santa Imagem parecia divinamente executado (2). »
Tanto rouba os afetos dos corações aquela Imagem Santíssima, que vendo-a tão linda os monges de São Bernardo do Convento de Alcobaça, a quem aquelas Vilas estão sujeitas, se resolveram a levá-la (logo nos princípios) para o seu Convento de Alcobaça, e para isso mandaram fazer outra, que em tudo fosse igual ao original, e com efeito o puseram em execução.
Porém a Rainha dos Anjos, e a Bendita mãe dos pecadores, fugiu para a companhia dos seus aldeões, voltando invisivelmente nas mãos dos Anjos para o primeiro lugar, que havia escolhido. Mostrou que com eles queria estar e se pagava da sua singeleza. Há naquela freguesia muito boas almas, e eu creio assim que todas hão-de ser almas benditas, pois tem uma tão querida mãe, que não cessa de rogar por elas àquele Senhor soberano e Filho Santíssimo que tudo lhe concede.
O título de Benedicta não pude alcançar a causa por que lhe foi posto. Faz muitos milagres, sem embargo de não fazerem muita memória deles, aqueles que o deviam fazer.
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In Santuário Mariano, Tomo Segundo, livro primeiro, titulo XLIX, p.194 a 198 (1707) de Frei Agostinho de Santa Maria.
Notas:
  1. Utilizámos nesta pesquisa o livro de José Luís Machado, mais conhecido por Zito: Tempo Imemorial Benedita e a sua história e o Tomo Segundo do Santuário Mariano de Frei Agostinho de Santa Maria (1707).Esta versão foi aligeirada para português corrente por Mónica, Vanessa e Lúcia em 21/09/2017, sobre uma já adaptada pela professora A. Gonzaga na sessão de preparação da Tertúlia de 24 de setembro de 2017.
  2. Terra Mágica das Lendas - Em itálico o texto lido na visita ao Museu de Arte Sacra da Benedita em 7 de setembro de 2017. Visita guiada pelo senhor diácono Freire.


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Curiosa versão da lenda (1)
Sobre a fundação da igreja da Benedicta, conta-se a seguinte lenda: Em tempo distante, a aldeia da Benedicta era um pequeno lugarejo, cujos fogos estavam divididos em três freguesias; Turquel, Alvorninha e Santa Catarina; estas duas últimas do concelho de Caldas da Rainha; aquela integrada no concelho de Alcobaça. O lugar não tinha templo onde o povo pudesse orar e, por isso, os habitantes resolveram mandar fazer uma capela que ficaria sob o patrocínio de Nossa Senhora da Encarnação. Reuniram-se, quotizaram-se, e mandaram fazer a capela no centro do lugarejo, no local onde hoje se ergue um cruzeiro.
Foi a obra dada de empreitada a um homem de apelido Aleixo, (2) residente no casal dos Solões, e deu-se começo à capela, mas todas as manhãs apareciam as paredes aluídas e erguidas no lugar onde hoje está a pequena igreja, mas aumentadas sempre de mais um cunhal (3). Começava a circular entre o povo a versão de que era milagre. Nossa Senhora não queria a capela no centro do lugar, mas sim onde todas as manhãs apareciam os materiais. Uns eram crentes no milagre, outros, não, sendo o mais obstinado contraditor do milagre o próprio empreiteiro.
Perto do local, há uma fonte, e o aludido Aleixo, que tinha uma fazenda contígua, costumava mandar duas filhitas buscar água à fonte. Um dia, as pequenas vão encher os cântaros, e Nossa Senhora, envolta em branca nuvem, desce até ao pé da pequenita mais nova, envolvendo-a de forma a ocultá-la aos olhos da irmã e revela-lhe que transmita ao pai os seus desejos de que a capela seja feita no sítio onde eram encontrados os materiais. A pequena, de volta a casa, conta ao pai o sucedido. Interrogada a mais velhita, que nada vira, negou a Aparição e a mais novinha é admoestada pela suposta mentira.
No dia seguinte, vai o homem lavrar para perto da fonte e as petizas voltam uma vez mais à água. Nova Aparição da Senhora à mais nova, e, de novo, lhe recomenda que diga ao pai para lhe fazer a capela no sítio onde Ela pretendia. A criança diz à Virgem que o pai está descrente. Nossa Senhora, para o convencer, faz-lhe anunciar pela filha que um boi lhe irá cair repentinamente morto no rego da lavrada, o que sucede, mal acabou a pequenita de transmitir ao pai esta previsão sinistra.
Cheio de temor, o homem ordena então à filha que torne à fonte e que peça à Senhora que lhe reanime o boi que ele lhe faria a capela no lugar onde Ela a queria.
A pequena vai: Nossa Senhora aparece-lhe de novo e ela é intérprete do pedido do pai. A Senhora, sorrindo, disse-lhe que fosse descansada que já iria encontrar o boi a trabalhar. Assim sucedeu.
O empreiteiro cumpriu a palavra, a igreja foi erigida onde hoje se encontra e a fonte, onde a Senhora havia aparecido, ficou a chamar-se a “Fonte da Senhora”.
A Virgem, para que ficasse perpetuada a lembrança da sua Aparição, deixou a sua imagem gravada numa pedra broeira que, anos depois, alguém, bem intencionadamente, colocou junto do fontanário, para memorar o facto.
Há anos, sendo pároco desta freguesia um virtuoso sacerdote mandou remover a pedra para a igrejinha, mas esta desapareceu com o rodar dos anos”.
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In José Luís Machado, Tempo Imemorial (1980) p. 41-43. Transcrição do artigo de Guilherme Felgueiras, revista Boletim Cultural - Junta Distrital de Lisboa, 1967, série III, n.ºs 67/68 pp. 300-301 “ O estudo da Literatura Popular e das Tradições Orais Estremenhas – Lendas da Fundação da Igreja da Benedita”.
Notas
  1. Embora deturpada esta versão, é curiosa a referência feita a um empreiteiro de nome Aleixo do Casal dos Solões. Em uma escritura de doação de uma propriedade, deixada à igreja, existe efetivamente referência a um “Casal do Aleixo, no Sellão. ”
  2. José Luís Machado colocou esta expressão em negrito e assinalou que o fez pelo curioso pormenor.  

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Aparição de Nossa Senhora

Vivia em tempos de D. Afonso Henriques, num lugar chamado o Solão, certa família que possuía terras no Vale da Sardinha. O povo chama Aleixo ao pai; Benedita, a sua filha.
Foi, um dia, a Benedita buscar água a uma das nascentes do Vale e, já de regresso, subia uma ladeira pedregosa e marginada de sobreiros, quando lhe apareceu de súbito uma senhora linda e resplandecente montada num burrinho. Antónita interrogou a visão que respondeu:
- Sou a Senhora da Encarnação e quero que me edifiquem, neste lugar, uma capela.
Tomada de alegria e entusiasmo estugou a vidente o passo e apressou-se a comunicar o facto a seu pai que andava na lavra. Ele incrédulo disse, ironicamente e tocando com a vara num boi:
- “Doida, isso é tão certo como este boi, que está em pé estar deitado.” Imediatamente o boi caiu no rego.
Aleixo acreditou no que a filha lhe dissera e quis construir a capela um pouco mais afastada do local da aparição. Várias vezes a começou e outras tantas a viu destruída por poder misterioso. Conhecendo assim a vontade de Nossa Senhora edificou a capelinha onde Ela aparecera.
Com a concorrência do povo aumentou-se a capela, que, mais tarde, veio a ser a Igreja Paroquial da Benedita.
Ecos desta crença são os nomes da Fonte da Senhora dado a uma nascente do Vale da Sardinha e o de Olival da Senhora, a um olival que ali há perto.
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Transcrição do registo manuscrito do Padre Doutor Fernando Maurício num dos seus cadernos intitulado “ Etnografia Regional” por Lúcia Serralheiro.

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Pode aceder aqui ao texto para download em pdf:

https://docs.google.com/document/d/1wLKqXt320YhUJXAaBxc0segTXsveE9c9c_OAIgN0AcY/edit?usp=sharing

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