Cantigas de amor de D. Dinis (fragmentos)

No dia de São Valentim trazemos à memória um documento com cantigas de amor medievais da autoria do rei D. Dinis (1261-1325),  e que faz parte da Exposição “A construção da Europa” . 

O documento, também conhecido por "Pergaminho Sharrer", descoberto em 1990 no Arquivo da Torre  do Tombo, inclui pela primeira vez notação musical – a primeira que nos aparece em cantigas de amor – sendo o  mais antigo documento conhecido com música profana portuguesa. 

As cantigas de amor remetem-nos para uma tradição cultural de cortes feudais europeias onde se cultivava o amor cortês, ou seja, um galanteio amoroso à margem de pressões patrimoniais, familiares e políticas que estavam inevitavelmente presentes nas alianças matrimoniais. 

D. Dinis foi um fecundo e reconhecido autor de poesia trovadoresca de tradição ibérica: chegaram até nós 137 composições, sendo 75 cantigas de amor, 11 de escárnio e maldizer e 51 cantigas de amigo. 

Este rei desenvolve o seu génio musical e poético no contexto da confluência de cortes cultas europeias a que está ligado por laços familiares e culturais: o pai, Afonso III, viveu a sua juventude na corte do rei de França (Luís VIII), e vem a casar com a Condessa Matilde de Bolonha, tendo privado com o ambiente cultural da corte francesa. 

Um dos educadores que escolheu para o filho Dinis foi Americ d`Ébrard, originário da Aquitânia, e que o aproximou da cultura de além-Pirenéus e às escolas trovadorescas. 

Pelo lado materno, é neto de Afonso X, o Sábio, rei de Castela e Leão, autor de vasta obra poética, entre as quais as conhecidas “Cantigas de Santa Maria”. Mais tarde, D. Dinis casa com Isabel de Aragão, oriunda de uma corte onde se cultivava a poesia, sendo de destacar a proximidade entre Aragão e o Sul de França e respetivas cortes trovadorescas. 

A poesia trovadoresca do amor cortês floresceu na Península Ibérica, marcada também pelos caminhos de peregrinação de Santiago, sob forte influência provençal, dado que jograis e trovadores constituem, na Península, uma confraria internacional e migratória viajando de corte em corte. 

Se as cantigas de amigo, em que o trovador assume a voz da mulher, fazem parte de uma tradição ibérica de matriz popular, já as cantigas de amor e de escárnio e maldizer inserem-se numa tradição trovadoresca de cortes e de senhores feudais europeus, de origem provençal, entre os séculos XII a XIV. 

Nas cantigas de amor, o trovador, homem nobre e autor da música e da letra, exprime a sua paixão pela “sua senhor” uma mulher de beleza e virtude ímpar que, de acordo com os cânones deste amor ritualizado, não é identificada. Expõe-se somente a submissão do trovador que espera que ela retribua o seu amor e devoção com um bem, isto é, uma recompensa, que poderia ser um presente, um olhar ou algo mais significativamente físico, sendo o serviço e o sofrimento do amado a maior prova do seu amor. 

Este “serviço “de lealdade e amor à dama espelha, na relação amorosa, as relações de vassalagem que uniam vassalo e senhor na época feudal. 

Que realidade humana se esconde por detrás destes rituais e convenções? Para quê todos estes segredos e precauções? 

Na maioria das Cantigas de Amor o “servidor” pretende obter da dama o favor de “um bem”, mas mantendo esse favor em segredo. 

Para o historiador da Cultura Portuguesa,  António José Saraiva, temos de ter em atenção que estes protagonistas são muito frequentemente grandes senhores feudais, reis e filhos de reis, tratando-se de amores clandestinos, à margem do casamento, daí o segredo ser não uma ficção literária, mas uma precaução. 

A clandestinidade dos amores e do adultério são tema obrigatório da literatura amorosa medieval e dos grandes casais amorosos que a idade média nos legou: Tristão e Isolda, Lançarote e Guinevere… 

Para ouvir uma das 7 cantigas de amor: A tal estado me adusse, senhor:

https://cantigas.fcsh.unl.pt/versoesmusicais.asp?cdcant=529&vm1=127&vm2=231

Nesta cantiga, dirigindo-se à sua senhora, o trovador dá-lhe conta do estado a que a beleza e as qualidades dela o conduziram: em nada tem nem terá prazer, enquanto não a vir de novo. 


Maria Trindade Marques Serralheiro

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