Rota Estrada D. Maria I - Turquel

 ROTA ESTRADA D. MARIA I / D. MARIA PIA 

Freguesia de Turquel


Descobrimos na Maré, o património natural, material e imaterial da paisagem das Redondas, freguesia de Turquel: uma igreja na Serra, uma ponte de pedra, uma palmeira, uma bola e um poço rente ao chão. O mar aqui é imaginário, mas deu origem a uma casa bem real: a Associação Recreativa e Cultural da Maré. No desenho do seu brasão contempla-se uma herança comum. 

O rio, chamado Seco, por tão seco o deixar o Verão, transbordava aqui durante os Invernos, deixando nas suas margens, a imagem de uma maré. Em 1980, esta deu o nome à associação. Cinquenta centavos era a moeda que pedia Silvestre Carlos, “o Gaiato”, para nos levar a cavalo no burro, atravessando a ponte de pedra, então submersa. Cada travessia era mais um copito de tinto que bebia. Com a maré baixa, muito antes do Gaiato, terá ficado ali escondida Susana, escapando das invasões francesas, no século XIX. O seu bisneto, António Manuel, conta-nos a antiga história em poucas linhas: “a minha bisavó, com medo dos franceses, esteve três dias debaixo da antiga ponte do Rio Seco, só com uma maçã no bolso”. Hoje, mais alta a ponte, talvez Susana não tivesse tanta sorte.

“Na construção da associação, o meu irmão Joaquim teve o trabalho todo” – conta-nos José Costa, sócio n.º 1 da Maré –, “comprou as oliveiras, fez o aterro e contratou o pessoal das pedreiras”. A palmeira antiga da família Cláudio, a mais rica da região, foi a única árvore mantida e integrou-se no brasão. A ela juntou-se um livro, representando a vertente cultural da associação e, encostado a ele, uma bola, em memória da rapaziada que ali jogava futebol, “fintando as oliveiras do terreno” – como nos diz José. Ao centro desenhou-se ainda o poço, que pode ser visto atrás da associação. Era mais baixo e nas pedras das duas bocas viam-se as marcas fundas de dois dedos, de tantas vezes as cordas as terem roçado para matar a sede, alimentar as panelas e servir as lavadeiras. Alteado o poço, viraram-lhe as pedras de uma das bocas, perdendo-se alguns dos rasgões gravados pelo roçar do tempo.

Para erguer a associação “o dinheiro veio da Festa da Serra, que dura há mais de cem anos!”, continua José. “Era a Festa da Nossa Senhora da Nazaré”, a maior da região. A capela que está na sua origem foi feita em 1922 no Covão dos Maus, junto à Serra dos Candeeiros, acima do Covão do Milho, por José Francisco Carvalho, o “Zé Sapateiro”, cumprindo então uma promessa sua. Sabemos que escolheu esse local por dali se poder avistar, em dias de céu limpo, a capelinha do Sítio da Nazaré. O mar reaparece-nos assim no horizonte, como um desejo colectivo.

A Maré foi então criada, através da Festa da Serra. Hoje, é esta associação que a organiza, à beira da Estrada D. Maria Pia, e que dela cuida, numa simbiose relembrando o ciclo da vida. “Temos que manter aquilo que nos foi deixado” - diz-nos António Carvalho, presidente da Maré, bisneto de Zé Sapateiro”, o construtor da capela. Da Festa fala com alegria chamando-a de “uma semana de trabalho”, onde os três dias de celebração em Agosto “são um divertimento”. E acrescenta com entusiasmo: “Sexta é o dia da sama, vamos para os eucaliptais”. É o momento alto da preparação: as pessoas mais antigas são chamadas a orientar as mais novas na desbastação das samas, que servem depois de telhados para dar sombra aos festeiros. É um costume que torna a Festa da Serra diferente de todas as outras e que une a força dos mais novos à sabedoria dos mais velhos.

José Costa lembra-se do tempo em que a Festa se fazia mais acima, junto da capela. “Chamavam-lhe a Festa Quebra-Cabeças”, porque atrás da capela, onde se vendia vinho, os homens embebedavam-se mais à vontade e depois punham-se em lutas de pau que acabavam em cabeças de sangue.

No regresso e na ida, era preciso atravessar a Estrada D. Maria Pia. Por lá, caminhava o Zé das Contas, o único a desviar o olhar da capela, sempre que se aproximava.  “Dizia que tinha lido o livro de São Cipriano”, explica-nos José, que também sabia ler e desde muito cedo. “Eu não tinha medo dele, mas havia crianças que fugiam.”

Não sabemos se Maria Helena Marques Lopes era uma dessas crianças, porque em pequena, atravessava a Estrada já ao pôr-do-sol. Todos os fins de dia, ia deitar mais azeite na lamparina, para manter sempre iluminada a imagem de Nossa Senhora na sua capela.

Esta capela é um património que, nascendo de uma ideia pessoal de José Carvalho e sem que ele o previsse, acabou modificando os costumes de toda uma comunidade. É um património vivo, por isso bem preservado. Em homenagem a este seu construtor, uma das oliveiras deste recinto recebeu em 25 de Março de 2023 a sua alcunha: “Zé Sapateiro”. 

Em 23 de Setembro de 2023 inaugurou-se este totem em memória dos nossos antepassados.



Tiago Siopa, Terra Mágica das Lendas, CRL, Agosto 2023












A Árvore José Diogo Ribeiro Mais um excerto; e êste, dum singelo conto educativo de Latino Coelho. «Ia o califa ArunAlraschide por um campo, onde andava a folgar à caça, quando sucedeu passar por pé de um homem já mui velho, que estava a plantar uma nogueirinha. « Então disse o califa aos do seu séquito: « -Em verdade, bem louco deve ser este homem em estar a plantar agora esta nogueira, como se estivesse ainda no vigor da mocidade, e contasse como certo vir a gastar dos frutos destà planta. «Indo-se então o califa em direitura ao velho, perguntou-lhe quantos anos tinha. Para cima de oitenta; respondeu o velho-mas, Deus seja louvado, sinto-me ainda tão robusto e saudável como se tivera apenas trinta. « Sendo assim, - redarguiu o califa - quanto pensas que ainda hás-de viver, pois que nessa idade já tão adeantada estás a plantar uma ár- vore que, por natureza, só daqui a largos anos dará fruto? «< Senhor: disse o velho - tenho grande contentamento em a estar plantando, sem inquirir se serei eu, ou outros depois de mim, quem The colherá os frutos. Assim como nossos pais trabalharam por nos legar as árvores que nós hoje desfrutamos, assim é justo que deixemos ou Iras novas, com que nossos filhos e nelos venham a utilizar-se e a enriquecer-se. E se hoje nos sus- tentamos dos frutos do seu trabalho, e se foram nossos pais tão cuidadosos do futuro, ¿como havemos de retribuir em desamor aos nossos filhos o que de nossos pais recebemos em carinho e providência? Assim, semeia o pai, para que o filho possa vir a colher.. Cairam tão em graça as palavras do ancião no ânimo generoso do califa, que logo ali foi presenteado com uma bolsa cheia de oiro.»


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