VISITA DE ESTUDO
da TERRA MÁGICA à QUINTA DO MOCHO, freguesia de SACAVÉM concelho de Loures,
Parque dos Poetas em Oeiras e Casa das Histórias de Paula Rego em Cascais.
1. Introdução/Motivação
A boa receção do público beneditense à atividade
POESIA NA RUA / 400 anos de Shakespeare com o patrocínio do The English Centre, e o apoio logístico
da Associação de Estudantes do ECB ocorrida por altura das comemorações da
elevação da Benedita a Vila (fim-de-semana de 13 e 14 de maio) motivou o grupo organizador (os
associados Anabela Gonzaga, António Catarino, John Burbidge, Lúcia Serralheiro
e Tiago Santos) a pensar noutras intervenções no espaço público, possibilidades
como murais, poemas grafitados, etc. E por que não dar continuidade a algo
criativo e cultural nas ruas da Benedita, objeto dos Estatutos desta cooperativa cultural. O retorno recebido
de pessoas que apreciaram o facto de inesperadamente se encontrarem com a
Poesia nas ruas e até nas sedes das coletividades da freguesia seduziu o grupo
a novas ideias, como a de se fazer murais e outras formas de arte pública na
nossa terra.
A Helena Pereira, a
nossa tesoureira, propôs uma visita à Quinta do Mocho porque tinha visto um
programa na RTP e tinha ficado curiosa. O Tiago Santos voluntariou-se para
organizar todos os contactos com os lugares a visitar e o aluguer do autocarro
à Câmara Municipal. Outras pessoas foram angariando inscrições para a viagem.
Cláudia Vicente, a presidente da Assembleia da Freguesia da Benedita, deu-nos a
honra da sua companhia.
2. O Bairro na voz
dos guias locais e nas cores e desenhos dos seus painéis!
A visita começou
na Casa da Cultura da CML situada a norte da rotunda ao meio dos dois bairros: do
nascente o Bairro da Ponte dos Terraços, de gente fina… e a poente a Quinta do
Mocho com população imigrada das ex-colónias (e não só, gente à procura de uma
vida melhor, famílias mono parentais, desemprego e desenraizamento… mulheres
com trabalho em três locais diferentes em cada dia para sobreviverem) e a esse
segue-se outro mais para poente, bairro pobre onde ninguém ia a não ser um rapper
DJ, famoso, que por esse estatuto, era aceite lá e até mereceu a sua cara
desenhada pelo famoso graffitista Vilhs,
o que foi polémico e por isso ficou inacabado. A técnica deste famoso garffiter
é furar nas paredes pontos e traços construindo assim os rostos que retrata, mas
ali não aconteceu, porque as paredes das casas são meio ocas… matérias baratas…
construção de habitações sociais!
Os guias
residentes no bairro Kady e Kally esforçaram-se por abranger, quer o
significado que os autores/pintores/artistas homens e mulheres pretenderam
fazer, quer muitas vezes os sentimentos que eles foram recolhendo sobre o
bairro onde tiveram de viver algum tempo antes e onde experienciaram o bater do
coração dos seus habitantes, sobretudo crianças e jovens. No final, o resultado
foi o desejado. A população que até ali, quando frequentavam a escola ou procuravam
emprego tinha vergonha de dizer que eram de lá, agora fá-lo com orgulho… e os
do lado nascente, que antes das pinturas nunca tinham ousado ir ao lado poente,
agora fizeram-no e fazem-no com gosto. O bairro até passou a ter carreira de
autocarros o que antes nem existia! Enfim, eles dizem somos pessoas normais de um e de outro lado.
Iniciámos o
percurso subindo a rua Amílcar Cabral. Foi diante desse primeiro retrato do
líder guineense da luta contra o colonizador que começámos por entender a
origem do bairro e desse projeto de grafitis, 40 inicialmente, agora 61 e ainda
a crescer… e que vão estendendo por todo o concelho com esta segunda fase
denominada arte pública… Num dos cantos superiores vimos gravada a legenda 40 anos 40 pinturas, o início do
projeto enquadrado nas comemorações dos 40 anos do 25 de abril e todos estão
assinados ou em baixo ou em cima, mas os nomes são escolhas artísticas o que
dificulta para mim o entendimento das suas nacionalidades, talvez isso não seja
o importante nos nomes… mas o gosto pelo som … pelo minimalismo das palavras
pela arte…quiçá… que imagens viste, que tipo de desenhos?
Muitos eram rostos
de pessoas de variadas etnias e pintadas de cores vivas quer homens quer mulheres.
Lembro-me de uma artista do México que misturava símbolos de cultura africana …
ou outros mais simples, por exemplo, uma mão de adulto agarrava uma mão de
criança que está numa esquina que dá para um infantário. Há muitas creches
neste bairro… mas quanto a rostos reparei que numa transversal das praças interiores
que se chamam de impactos I, II ou II todas as imagens ao redor causam na
verdade uma impressão forte e diferente daquela que se sente olhando em linha
por uma rua acima… Por exemplo, numa parede que terminava em esquinas, via-se mas
só pintada para um lado, à direita uma donzela vaporosa e de branco…dormindo no
dorso de um cavalo qual princesa aguardando seu cavaleiro andante, de ar poético
e sonhador e do lado esquerdo havia uma mandala esguia embrulhada no seu
traje típico repleto de outros símbolos e bordejado com as franjas de lã um
xaile tradicional português como um alerta para outra verdade:- as mulheres
mesmo só pintadas nas paredes parecem dizer: acordem, não se pode renunciar à
justiça, ao amor … esse é o sonho mais urgente, caras senhoras! Não reparei nos
autores, mas nas imagens contrastantes alertas prioritários que têm de seguir
com rapidez estrada fora… Os guias salientaram bem as mensagens que dizem que a
vida é breve e por mais sinuosas que sejam os caminhos sempre se chega de onde
se partiu!
3. Resultados do
projeto da pintura dos murais
Acima de tudo,
este projeto mudou o bairro, deu-lhes autoestima, segurança, sentido de
pertença a uma humanidade diversificada e sentido do respeito por cada grupo. Num
dos blocos há duas igrejas quase geminadas, uma católica e outra islâmica …
perto fica o mural com a caricatura de Merkel tentado meter um refugiado
naqueles brinquedos de legos com ranhuras geométricas… Os artistas chegaram de
Israel, Rússia, África e América e existe uma harmonia em todas as mensagens
pintadas. Um painel mostra uma criança com cara oriental gorduchinha que tem
sobre si um mundo feérico de casinhas e montes de ervas. O nosso guia disse que
o tinha batizado de Alice no País das Maravilhas, e já agora para terminar este
breve apontamento tenho de dizer que ao chegar à Quinta do Mocho o primeiro quadro
que vi foi o Don Quixote de costas balofas com o Sancho Pança, mas hélas! A sua
espada afiada e longa, era o suporte de um rolo de pintar paredes enfiado num
suporte bem alto e o Sancho carregava um igual e ainda ao balde da tinta. Nos
montes navegavam não as velas dos moinhos de vento, mas as hélices da energia
eólica dos nossos dias!
Sente-se um mal-estar
sobre este assunto. Mas a opinião é unanime: todos adoravam a visita. De tarde viagem
prosseguiu até Cascais, rumo à Casa das Histórias de Paula Rego com paragem no Parque
dos Poetas em Oeiras. Um espaço muito limpo e asseado, enorme e soberbo investimento!
Salta logo à vista! Por quê estas diferenças tão grandes no mesmo país!
Desigualdades chocantes! Gostei de ter ido visitar a Quinta do Mocho, porquê?
Já tinha uma ideia de ter visto na net imagens e fotos e não achei nada de
mais, além disso uma amiga que trabalha na CML disse que o importante é mudar o
interior das casas de quem mora lá. O lado de fora não parece o mais
importante. Concordei…
Os artistas foram
entusiastas. Tiveram liberdade, espaço e materiais para fazerem uma obra de
arte que ajudou a melhorar as emoções e sentimentos das pessoas. Disso se sentem
orgulhosos, porque tinham em comum a consciência de que as mensagens que iriam
deixar tinham de ter e de fazer sentido
para que quem as olhasse, pensasse algo sobre si próprio e os outros. Isso fez
ou faz a diferença? Será pouco, será suficiente ou muito insignificante… dá que
pensar!
Entre as mensagens
apelativas ao respeito pelo meio ambiente e pela natureza algo choca em
desacordo. São as garrafas de plástico e lixo preenchendo espaços entre os
prédios e pelas pracetas.
Neste mundo onde
um certo medo e um certo pavor do outro e dos outros se vai instalando e
fomentando na Europa através das notícias exageradas e empoladas dos
jornalistas e políticos sobre os casos de ataques de terroristas ou de doentes
mentais, o que menos graça tem é pensar que em ruas e praças seguras e
atraentes o perigo espreita, se bem que no final se oiça sempre a ideia de que temos de viver e continuar a vida e não
mostrar medo…
5. Agradecimentos
Obrigada a todos e
a todas e aos guias locais que nos enriquecem com as suas histórias, sonhos e
aventuras … Que os dias vindouros os apoiem e nos protejam, que a eles e a nós
tragam ideias e motivações para acreditarmos que um mundo melhor é possível!
Bem hajam!
Texto: Lúcia Serralheiro
Fotografias: António Catarino
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