Terra Mágica das Lendas divulga a Banda Filarmónica de Santa Catarina, no âmbito das Jornadas Europeias do Património 2021


Uma parceria com a Rádio Benedita FM 88.1 Transcrição da entrevista de Tozé Rocha (à esq.) Madalena Santos (ao centro) e Miguel Caetano (à dir.)  músicos da BF de Santa Catarina em 25 de Set 2021. 

António José Rocha, mais conhecido por Tozé, é natural da Mata de Porto Mouro onde mora e tem a associação ABRAÇAR-TE, um espaço cultural único na nossa zona.  Pertence aos Gambuzinos com o Pé de Fora do ECB, onde foi docente e faz Teatro e à Terra Mágica das Lendas, que lhe agradece a disponibilidade para esta entrevista e pelos convites aos convidados.    

 

“A cultura de um povo é o seu maior património
Preservá-la é resgatar a história, perpetuar valores,
é permitir que as novas gerações não vivam sob as trevas do anonimato.

                                                                                     

                                                                                   Nildo Lage

 

Muito boa tarde! O meu nome é António Rocha, mas sou mais conhecido por Tozé e estou aqui a colaborar com a minha “Associação Terra Mágica das Lendas” no seguimento de um pedido da sua presidente, Lúcia Serralheiro, à qual dirijo desde já os meus cumprimentos e agradecimentos pela tão grande dedicação a algo que é de todos nós, nos identifica e permite compreender, que é o Património Cultural da nossa região.

Como possivelmente sabeis a “Terra Mágica das Lendas” é uma Associação cuja atividade e campo de ação é a defesa e preservação do património cultural nas suas mais variadas vertentes e manifestações e é por estas razões que nos encontramos aqui.

A “Terra Mágica das Lendas” tem vindo a participar, desde 2018, nas Jornadas Europeias do Património, organizando todos os anos atividades no final de setembro, no âmbito desta iniciativa anual proposta pelo Conselho Europeu que em 2021 tem como tema: “Inclusão, Diversidade e Património”. Em Portugal cabe à Direção Geral do Património Cultural a sua dinamização.

Neste sentido, sendo as Bandas Filarmónicas um património histórico e cultural muito marcante da nossa região, foram elas o campo de eleição da “Terra Mágica das Lendas” para se   poder explorar e perceber o seu papel, não só enquanto lugares de identidade e promoção cultural, mas também como um fator importante na promoção pessoal e das relações interpessoais, de modo especial num dos seus aspetos mais nobres e urgentes que é o da Inclusão.

Hoje, para conhecermos esta vertente mais humana e social que perpassa as Bandas Filarmónicas temos connosco dois jovens músicos: Miguel Caetano de 21 anos e a Maria Madalena Santos de 15 anos que integram a Banda Filarmónica de Santa Catarina.

A título de curiosidade podemos dizer desde já que a Banda Filarmónica de Santa Catarina foi fundada em 1892 pelo Pe. Agnelo Monteiro Dinis, então, pároco da freguesia, estando a celebrar, este ano, 129 anos de existência. São muitos anos, não é verdade!?

 

Tozé - Olá Miguel, olá Maria Madalena obrigado por terem aceite o desafio de virem partilhar um pouco sobre o que é ser músico num agrupamento musical desta natureza.

Sabemos então que a Banda celebra este ano 129 anos de existência e talvez fosse interessante começarmos por aí. Miguel na tua opinião qual o segredo que está por detrás de tantos anos de vida?

 

Miguel – Daquilo que ouvi dizer, o segredo está na paixão, na dedicação e no esforço que nos é transmitido quando começamos a integrar a Banda. Tem de ser um amor grande, é já uma tradição de 129 anos, são muitos anos e acho que só é possível com esse amor e essa paixão que nos é transmitida, é esse o segredo, esta transmissão é feita pelos catarinenses de geração em geração.

 

Tozé - Os jovens que vão integrando a Banda Filarmónica são certamente a garantia da sua continuidade.  No vosso caso, Maria Madalena e Miguel, com que idade entraram para a Banda e quais foram as razões que vos levaram a essa decisão?

 

Madalena – Entrei para a banda com 11 anos. Sempre adorei a música e sempre fiquei fascinada por ouvir música ao vivo, seja bandas filarmónicas, seja orquestra ou concertos. A minha mãe e algumas das minhas primas já participavam na Banda há algum tempo. Sempre tive aquele bichinho de gostar/sentir o que é tocar com muitas pessoas à volta. Sem dúvida é uma experiência completamente diferente do que tocar sozinha. Na Banda tocamos em equipa, trabalhamos para um objetivo comum que é produzir a música, o melhor que nós consigamos.

Miguel – Entrei para a banda com 12 anos, fui puxado pelo meu irmão, ele até é mais novo. Na altura só estava habituado a ir ver os concertos da banda com a família, mas não estava assim muito interessado. O meu irmão entrou e passado uma semana a minha mãe começou a insistir para ir experimentar e fui. Experimentei, gostei e hoje ainda cá estou.

 

Tozé – Podem contar-nos como foi o primeiro dia? Como se sentiram?

 

Madalena – No meu primeiro dia estava cheia de medo, o primeiro ensaio foi desastroso, até as notas brancas tocava ao lado, mas foi incrível sentir a energia única de tocar na Banda, porque estava habituada a tocar sozinha e depois sentir que tudo fica perfeito, as harmonias…Apesar de ter errado bastantes notas, os meus colegas de naipe sempre me ajudaram a indicar as minhas faltas e onde podia melhorar e isso é um bom trabalho de equipa.

Miguel – Foi chegar à casa dos ensaios com aquele formigueiro, aquela ansiedade, aquele nervosismo todo, e ver ali 20 e tal pessoas e pensar, ‘isto agora é a sério’. Quando entrei não comecei logo a tocar, foi em playback. Lembro-me bem de quando comecei, era uma pausa e eu toquei! Como devem perceber ficou muito mal ali no meio de tudo, mas o pessoal riu-se e disse ‘tem calma, vai com calma’. As coisas depois foram ficando mais fáceis, mas existe sempre um nervosismo muito grande ao começar na Banda, são mesmo muitas pessoas.

 

Tozé – Quem quer entrar para a Banda, com ou sem formação, qual é o percurso que normalmente fazem?

 

Miguel – Nós temos a escola de música que funciona em paralelo com a Banda, os ensaios, com ou sem formação, quem quiser tocar, dirige-se à escola de música. Faço já referência que está lá o maestro Gonçalo de Sousa e o monitor Zé Manel, duas pessoas que neste momento estão ajudar e muito, a dar-nos as lições e a apoiar todos os que querem aprender música. O processo será este: dizemos que queremos aprender, o maestro ajuda-nos. Se já tivermos alguma formação musical é mais fácil, quem não tem, também não é problema, dá-se um passo de cada vez. Começamos pelos solfejos (uma parte que ninguém gosta), tocar só com a mão, não se passa logo para o instrumento que é o que todos querem, é uma parte de persistência. Depois passamos então ao instrumento. Temos a fase em que tocamos as notas erradas, é uma fase complicada, porque pensamos, isto não funciona, isto é complicado, mas depois com calma tudo vai funcionando, cada um tem o seu tempo de aprendizagem e quando o maestro decidir e diz que estás pronto para integrar a banda, começas por integrar os ensaios de forma gradual até se dar a tua estreia em concertos. Por norma acontece nos concertos de aniversário da Banda ou pelo Natal. São os concertos mais significativos, mas este ano até agora, o único concerto que demos foi no 10 de julho no “Caldas Anime”, em que tivemos duas estreias.

 

Tozé - Portanto cá está a integração, dá-se tempo a cada um para aprender a tocar o seu instrumento. Já que falamos na integração, há algum ritual ou tipo de praxe facilitador da integração dos novos elementos. (apadrinhamento)

 

Madalena – Normalmente quando há o concerto de estreia, o novo membro que vai integrar a Banda escolhe um padrinho ou uma madrinha, uma pessoa com quem se sinta à vontade e ache que pode ajudar, guiar quando tem alguma dificuldade, quando se sente mais sozinho ou tenha algum problema é como se fosse um mentor que possa ajudar no caminho.

Fui madrinha há pouco tempo, é sempre uma experiência nova, porque somos surpreendidos, só sabemos na hora. É sempre muito bom, porque estão a entrar novos membros, que são jovens e continuam a entrar. É interessante sermos escolhidos, porque se alguém nos escolhe é porque vê em nós uma referência naquele espaço, que é a Banda Filarmónica onde os laços de amizade também nos unem.

 

Tozé - Quando entraram para a Banda já tocavam algum instrumento musical?

 

Madalena – Nós temos situações bem diferentes. Eu entrei para a escola de música no meu 4º ano. Tinha algumas aulas de piano e sabia que queria ir para o articulado. No 5º ano, entrei no solfejo e fiquei um bocadinho desmotivada. Entretanto, o maestro deu-me um saxofone soprano, mas também era um bocadinho mais velhinho e fiquei desmotivada. Entretanto saí da Banda e depois voltei a entrar e quando entrei para o articulado no 5º ano em piano, ou seja, estava na escola de música da Banda e ao mesmo tempo estava a ter formação musical e piano na escola, o que também me ajudou neste processo mais rápido de entrada na Banda, porque a formação musical na escola é muito mais exigente, o que depois facilita todo o processo de entrada na Banda.

Miguel – Eu entrei para a Banda sem nenhuma formação. É o que eu digo que não é preciso ter formação, é preciso é ter vontade e querer aprender, isso é o mais importante. O único contacto que tinha com a música, eram as aulas de educação musical com a famosa flauta de bisel. Nós vamos sem formação nenhuma e isto até é bom porque houve uma aprendizagem muito grande, pois  a entrada com 12 anos também faz a diferença nesse aspeto, porque estava propício a captar tudo e rapidamente absorve-se e capta-se tudo e é muito diferente. A minha formação vem toda da Banda de Santa Catarina e isto também é muito importante para mim, porque a minha origem é dali. Na Filarmónica existem mais casos como o meu. Até é importante referir que as Bandas Filarmónicas são uma grande escola de música e há que não deixar perder estas coisas

 

Tozé – Quando se entra para uma Banda Filarmónica, já se vai com uma ideia do instrumento que gostaríamos de aprender a tocar ou é a Banda que sugere o instrumento, dadas as necessidades do conjunto?

 

Madalena – Isso depende muito da altura em que entramos e das necessidades da Banda. Por exemplo, eu na altura queria muito entrar no ensino articulado. Vamos à academia que nos propomos e temos a oportunidade de experimentar vários instrumentos e eu sabia que era o piano, já tinha tido aulas, mas continuei a experimentar outros instrumentos para ver se gostava ou não. Na altura, a saxofone chamou-me muito a atenção e gostei mesmo de tocar, por isso, na Banda ter falado com o maestro e perguntar se era adequado para mim. Depois até o meu pai conseguiu comprar um instrumento mais barato, que mesmo que a banda não tenha um disponível, faz-se um esforço para perceber se é isso mesmo que o aluno quer e se se acha que é o mais adequado, se for preciso faz-se a compra do instrumento e todo um caminho de acompanhamento com o instrumento que nós escolhemos.

Miguel –  Quando entramos na Banda começamos por aprender solfejo, as notas e fazemos todo aquele caminho. Depois começa a entrar a fase do instrumento, a escolher–se o que é que se vai adequar a cada um de nós e aí é muito importante o maestro que nos vai encaminhado, também conforme as características de cada um e também tendo em conta as necessidades da Banda. Nunca queremos ninguém contrariado, porque isso não é bom, nem para o aluno, nem para a Banda. Então, tem de haver um esforço dos dois, consoante a necessidade, consoante as caraterísticas e os gostos pessoais. Portanto, as coisas vão-se dando naturalmente, eu por exemplo, comecei no trombone de varas, entrei na banda a tocar esse instrumento e hoje toco tuba, porque houve essa necessidade, havia aquele instrumento e ninguém para o tocar. Infelizmente com o trabalho, as pessoas saem e entram. O maestro na altura, o Sr. Manuel Alves, veio ter comigo e perguntou-me se seria capaz ou se iria gostar do instrumento, eu respondi, não há nada como experimentar e fui aprender tuba, porque sabia que também havia essa necessidade, há sempre os dois lados, o que a Banda precisa e os gostos pessoais de cada um. Às vezes é preciso saber conciliar as coisas.

 

Tozé - É interessante enaltecer essa disponibilidade, porque acima de um gosto pessoal, acaba-se por aceitar uma necessidade que é para bem do conjunto da banda, é um esforço de equipa. Como em qualquer comunidade ou agrupamento em que muitas são as alegrias que se vivem e proporcionam, houve com certeza ao longo de todos estes anos de existência adversidades, situações que puseram em causa e dificultaram a sua continuidade.  Miguel podes falar-nos de algumas situações em concreto?

 

Miguel – Houve dois momentos da vida da banda, um deles foi o covid e a guerra do ultramar em que muitos elementos da banda partiram para a guerra. Há pouco tempo estivemos a ver uma foto da banda da altura, tinha 23 elementos e desses 23, 17 partiram para a guerra, só ficaram 6, o que é uma diferença muito grande. Houve então uma interrupção. Durante este tempo em que esteve interrompida a atividade da Banda, temos de salientar que estes elementos que permaneceram, tiveram sempre a tradição de pelo menos ir tocar em dois momentos, à procissão do Corpo de Deus e a procissão em honra de Santa Catarina, nestes dois momentos juntavam-se para ir tocar, que era muito bom. No período atual, desta pandemia, a banda tem sofrido muito porque para os ensaios, 5 meses parados, retoma um mês, voltamos a ficar mais 3 meses, andar aqui para trás e para a frente, pode criar um sentimento de desmotivação, é muito perigoso para as Bandas, porque vemos associações a fechar também por isso não é fácil, mas vamos lutando. Este concerto que houve no dia 10 de julho no “Caldas Anime”, foi muito importante para manter a banda ativa, levantou a moral, porque vinham de 5 meses parados e de repente retomamos os ensaios, foi muito bom e esperamos que não voltemos a parar e continuar com este balanço que já demos.

Tozé - O facto de uma Banda Filarmónica se manter durante tantos anos leva naturalmente a uma grande diferença de idades. Neste momento qual a diferença de idades nos elementos da banda?

 

Miguel – Neste momento, a banda tem 30 elementos e até posso referir que tem 16 homens e 14 mulheres, neste aspeto até está equilibrado. O nosso elemento mais velho, o Sr. António Leão tem 78 anos, é uma mais valia, sinal de resistência e de referência para todos, porque são mais de 50 anos de banda, isso não é para todos e não está ao alcance de todos, é muita dedicação e muito esforço, é um amor muito grande a uma Banda, a uma instituição. Neste aspeto, o Sr. Leão demonstra isso tudo, o amor e dedicação pela Banda. Temos então os elementos mais novos com 12 anos, é quando entram para a banda, temos então uma diferença de 66 anos, é uma vida.

Fica aqui o nosso reconhecimento a estas pessoas que permanecem na Banda e os nossos parabéns ao Sr. Leão que representa a persistência e o amor pela Filarmónica.

 

Tozé - Como se dá ou gere essa diferença, isto é, como é o relacionamento dos elementos de mais idade e os mais jovens?

 

            Miguel – A diferença, como referi há pouco, é de 66 anos de idade, mas essa diferença gere--se pela música. Há uma experiência muito boa que quando entramos na Banda, temos os mais velhos a ajudar e ficamos muito baralhados, porque existem muitos sons e sentimos a necessidade de ter alguém ao nosso lado, como se fosse um pai ou uma mãe que está ali para nos ajudar.  Ficamos tranquilos e vamos atrás e vão-nos explicando as coisas, erramos e eles explicam, temos ali uma relação de ensinamento, de aprendizagem, de partilha de experiências. Isso é muito importante! É de referir novamente o Sr. Leão que conta histórias que já aconteceram, de como a Banda mudou e vermos essa evolução no tempo, perceber o que aconteceu e como se transmitem valores aos mais novos.

 

Tozé - Com certeza que há muitas histórias que eles podem contar, mas vós, tendo em conta os anos que já passaram na Banda devem ter já alguma história para contar, alguma interessante ou engraçada que possam partilhar connosco…

 

            Madalena – Houve um concerto há cerca de dois anos, também foi no “Caldas Anime” que nós fizemos, em que estava tudo preparado, eu levei o meu saxofone, só que eu tenho uma coisa para limpar o saxofone e ficou preso lá dentro, eu estava a tentar tirar, mas não estava a conseguir, estava num stress, numa ansiedade de não ir conseguir tocar, já faltava pouco tempo para o concerto começar. Entretanto, o maestro com a chave do carro conseguiu tirar aquilo que lá estava dentro do saxofone. Preparei o instrumento e quando comecei a dar as primeiras notas, o Fá, o Mi e o Ré não tocam. Eu pensei ‘era o que mais faltava!’, já houve um stress a tirar aquilo lá de dentro e aquilo não toca!? Toda a gente de volta do saxofone a tentar arranjar aquilo com elásticos, não deu! Entretanto nas primeiras músicas, eu toco em playback, não há outra opção. O nosso maestro é saxofonista, costuma levar o seu saxofone no caso de acontecer alguma coisa, mas nesse concerto não o levou e então teve de pedir ao pai dele para ir buscar o saxofone, e deu-mo para eu tocar a meio do concerto, tudo bem. Começo a dar as primeiras notas, está muito grave e eu não consigo pôr a boquilha mais para dentro para ele afinar como deve ser, conclusão o concerto foi um stress para mim, não toquei nada, fiz tudo em playback e pronto, são sempre experiências que ficam para contar mas naquele momento fiquei muito ansiosa.

Miguel – Foi muito engraçado, concerto ao ar livre, fantástico, está vento, levem molas disseram os mais velhos, eu não levei, não dei ouvidos aos mais velhos. Vem uma rabanada de vento, cai estante, cai folhas, está tudo a tocar e eu a pensar e agora o que faço, levanto a estante, apanho as folhas e começo a tocar. Chego ao fim e o meu colega ao lado disse: “Ó Miguel, isto estava muito grave, não acho que era tão grave.” Eu olhei para os papeis e vejo que estavam ao contrário, por isso estava a tocar grave, ninguém se apercebeu e continuámos.

 

Tozé – Li algures que com o recomeço da atividade em 1972 se dá a entrada dos primeiros elementos femininos na Banda. Sabes como foi recebida pela comunidade e pela própria banda a presença das mulheres num ambiente que anteriormente era composto apenas por homens…

 

            Madalena – É sempre uma novidade, foi um grupo de homens durante muitos, muitos anos e depois a entrada das mulheres, é uma novidade e claro que tem que haver um processo de adaptação. Nós estivemos a procurar e do que temos conhecimento, as primeiras mulheres a entrar já tinham uma ligação familiar a alguns dos homens que estavam que estavam na banda e isso também facilitou como interagiam uns com os outros, o respeito e a integração. Uma curiosidade que nós descobrimos foi que o maestro na altura referiu que com a entrada das mulheres, os homens na forma como falavam, diziam muitas asneiras e o comportamento também melhorou, não havia tanta “conversa de café”. Com a entrada das mulheres começaram a ter outro comportamento, mais profissional, tinham mais cuidado na forma como falavam.

 

Tozé – Maria Madalena, sendo tu mulher, como te sentes num ambiente, que por tradição era maioritariamente masculino? Achas que com o tempo houve uma mudança de mentalidade e hoje essa questão já não se coloca…

 

Madalena – Eu sinto-me super bem, não há nada a apontar, somos quase 50/50, como o Miguel disse há pouco 14 mulheres e 16 homens. Então não há aquela sensação de me sentir mal, porque não estou num ambiente em que haja muitos homens. Existe essa evolução de mentalidade. Esse estereótipo de que os homens são os únicos com capacidade de tocar, isso acabou. As mulheres são tão capacitáveis como os homens e conseguem aprender tal como eles e têm tanto o direito de estar ali como os homens, merecem as mesmas oportunidades.

 

Tozé - É esta mensagem que também este tipo de programas deve deixar, há coisas que ainda é preciso combater, mas fico contente, porque de facto na Banda Filarmónica de Santa Catarina não há assim uma discrepância tão grande entre o número de homens e de mulheres.

Já que falamos de questões de género, há alguma diferenciação relativamente ao tipo de instrumentos atribuído às mulheres e aos homens?

 

Miguel – Nesse sentido não há uma grande diferenciação se se é homem ou mulher. É mais a fisionomia de cada um, do que a própria pessoa, porque podemos ter um rapaz pequeno que é mais fraco e não consegue naturalmente com uma tuba, que é um instrumento mais possante. Então, não há a questão mulher/homem, porque uma mulher mais robusta pode aguentar com uma tuba, um rapaz mais franzino não aguentar, ou haver a questão de que a flauta é para a mulher, não existe essa questão. Já vemos homens a tocar flauta, mulheres a tocar tuba. Tem se vindo a acabar com essa mentalidade de haver diferenciação entre instrumentos. Cada instrumento se adapta a cada pessoa, não tem a ver com o género, mas com a fisionomia da pessoa.

 

Tozé - Para além da diferença de idades e de género há na Banda Filarmónica elementos de outras nacionalidades, etnias ou culturas? Consideram esta diversidade uma mais valia?

 

            Miguel – Por vezes esta diversidade de coisas e o profissionalismo e tudo mais conta, porque acima de tudo somos amadores. Isto cria alguma dificuldade em termos de ensaios e concertos. Temos pessoas que trabalham em Lisboa, temos pessoas que estudam em Lisboa, somos uma Banda jovem, portanto temos muitos que vão para a faculdade e isto cria alguma dificuldade nos ensaios e tudo mais, nós continuamos a contar com eles, porque queremos manter viva a Banda e é assim que mantemos, portanto damos sempre esta abertura de virem quando podem, mas virem, a banda está aqui, claro que isto causa alguns problemas ao mestre, contar com 30 elementos nos ensaios e só aparecerem 17 ou 18, isto às vezes é muito difícil para o mestre trabalhar, mas como em qualquer lado, temos de superar os obstáculos e saber viver com isso.

 

Tozé –As Bandas Filarmónicas são grandes escolas de música, mas sabemos pela sua atividade e exigência que são também grandes escolas de cidadania. Se pudessem elencar três valores que pela sua atividade uma Banda Filarmónica vivencia e desenvolve nos seus membros, quais destacariam?

 

Madalena – São infinitos os valores que a Banda nos dá, não só as relações que temos ao tocar, mas também nas relações que criamos com os nosso colegas músicos. Mas acho que há três que são principais, o altruísmo, é uma coisa que a Banda nos transmite, que é colocarmo-nos na posição do outro e ver que se faltar ao ensaio, não me vou prejudicar só a mim, mas também aos meus colegas que trabalharam como eu para chegar a um objetivo comum. O respeito também é muito trabalhado na questão de saber estar com os mais velhos, saber lidar, ter respeito e saber admirá-los pelo trabalho incrível que têm feito ao longo destes anos. O Sr. Leão que tem mais de 50 anos de Banda, e eu a pensar que é incrível, é uma vida e penso será que vou conseguir estar tantos anos na Banda como o Sr. Leão, se calhar não, mas é olhar para isso com admiração, acho que é muito importante. O terceiro é a responsabilidade aliada muito à disciplina. A música requer muita disciplina e nós temos de saber que é para ir aos ensaios e para estar totalmente dedicado a isso, não é para ir aos ensaios e estar com a cabeça noutro lado, acho que isso ajuda muito, a questão de cumprir horários, ser regrado, ouvir o que temos de melhorar e tentar fazer o melhor possível, acho que são estes três valores que destacaria na vivência da Banda Filarmónica.

 

Tozé - A persistência e durabilidade das bandas filarmónicas são certamente o resultado de um sentir de pertença, de uma paixão pela música e às tradições da terra, mas julgo que há uma componente de Serviço muito forte no vosso trabalho. Na vossa experiência como membros de uma BF o que é que isso acrescentou e acrescenta à vossa vida?

 

Madalena – Primeiro ajudou-me a perceber o que é trabalhar em equipa, porque trabalhamos todos para o mesmo, se um não puder ir, vai ficar prejudicado e é importante perceber porque não pode e perceber as dificuldades dele, ter compreensão e saber avisar, também é muito importante. Ensinou-me a ter sentido de compromisso, ser mais disciplinada e sobretudo persistir, porque é preciso muita persistência e muita força de vontade e muito amor pelo que nós fazemos, se calhar estou com dor de cabeça, acabei uma semana na escola horrível, muitos trabalhos, mas tenho a determinação de que quero ir, quero fazer o concerto, dar o melhor de mim. Ensinou-me muito, para além de que eu sou uma pessoa super nervosa e a música obriga-me a gerir os meus nervos porque obrigou-me a estar em frente das pessoas, o que também é um ponto muito importante, para além de que eu dou muito valor ao trabalho de todos os músicos. A partir do momento em que entrei na banda, eu não tinha noção da quantidade de ensaios que era preciso e da quantidade de pessoas e recursos para estar uma hora em cima de um palco. Eu dou muito mais valor aos músicos que viajam de norte a sul, nós não fazemos isso, trabalhamos mais na nossa zona, mas dei muito mais valor a isso. E para além de tudo ganhei um grande amor à música.

Miguel – Na Banda aprendemos a trabalhar em sociedade e isso está no nome ‘Sociedade’ Filarmónica Catarinense e é trabalhar em sociedade e também temos este valor da responsabilidade. A gente aprende logo que entramos na banda, já podemos votar para a direção, isto é ter responsabilidade, é um ganho muito grande. Alguns podem não concordar e dizer que são muito novos, mas não são, porque temos que dar o lado adulto da vida, por isso entrar na Banda torna-nos mais adultos nesse sentido, ganhamos outra responsabilidade. A gente já vota para uma direção, temos que saber em quem estamos a votar, temos de saber que aquela pessoa é que vai dirigir a banda, é que vai estar à frente e isso também é muito bom e dá-nos muitos valores a esse nível para a vida e isso faz-nos homens, mulheres, um ganho de maturidade, porque é aprender a viver em sociedade, é ter respeito pelos mais velhos, porque são eles que nos vão ensinar e isso é uma coisa, que nos dia de hoje, está um bocado apagada e temos que aprender com os mais velhos e não é ao contrário. Pensarmos que sabemos tudo, não é chegarmos lá com formação e pensarmos que já sabemos tocar. É aprendermos com quem lá está, como tudo começou, pois não se aprende nada, só com nós próprios. Podemos ser uns grandes músicos, mas nunca podemos ser grandes pessoas se não ouvirmos quem já lá está, quem já lá passou e quem já lá esteve. Portanto, acho que a Banda leva-nos para a vida esta questão do passado, presente e futuro. O passado de quem já lá passou, o presente de quem lá está agora e deste funcionamento da equipa e o futuro é preparar quem chega de novo, porque eles são o futuro.

 

Tozé - Miguel e Maria Madalena se hoje as Bandas Filarmónicas continuam a oferece-nos grandes e bonitos momentos de música é porque jovens como vocês garantem a sua continuidade. Se vos pedisse para construírem uma frase, tipo slogan para incentivar os jovens a integrar uma banda filarmónica e a continuar este legado cultural e humano ímpar, o que diriam?

 

Madalena – Cada vez mais os jovens têm mais estímulos e somos chamados para fazer muita coisa. Acho que é importante ter a noção e perceber o que é que dada coisa, nos pode dar e oferecer, e como já falámos e eu volto a repetir a Banda é uma escola para a vida. Dá-nos valores, dá-nos profissionalismo. Temos de saber trabalhar e também nos dá um amor maior pela música. Eu acho que isso é o mais simples e o mais bonito que há na Banda. Estamos todos ali para o mesmo, unimo-nos por um motivo e temos oportunidades diferentes, podemos conhecer pessoas novas, temos contacto com outras bandas, o que também é muito bom. Conhecer outras realidades diferentes das nossas, porque apesar de serem Bandas Filarmónicas, trabalham de outra forma e acho que ter essa oportunidade é muito importante.

Miguel – Dizer um slogan é difícil, mas música somos nós e nós somos música. Quando eu bato uma palma é música, seja um movimento qualquer, a música está no nosso corpo, está em nós e venham, porque nós temos essa música para explorar e que nos dá muitos valores, que nos relaxa, que pode tirar este stress todo de cima de nós porque cada vez vivemos uma vida mais stressante e mais puxada. Venham aproveitar, venham libertar essa música que a gente tem em nós próprios.

 

Tozé - Terminamos aqui esta nossa partilha. Agradeço muito a vossa presença, o vosso testemunho e acima de tudo agradeço o facto de continuarem a ser promotores e defensores ativos deste património que são as Bandas Filarmónicas. Muito obrigado e já agora aproveitamos estender esta gratidão e reconhecimento a todos os elementos da Banda Filarmónica de Santa Catarina, ao seu presidente Luís Almeida e ao maestro Gonçalo de Sousa. A todos muito obrigado, continuação de um bom trabalho e fica aqui um forte viva às Bandas Filarmónicas.

 

Nota: A Terra Mágica das Lendas, agradece à Sandra Fonseca da Benedita FM, ao Tozé, à Madalena e ao Miguel esta entrevista que passou na Benedita FM 88.1, no dia 25 de Setembro de 2021 no âmbito das Jep’s e no cumprimento do Plano de Atividades da TML, preparando os 500 anos da Benedita dedicado ás freguesias vizinhas Alvorninha, Santa Catrina e Turquel.   

 

 

 

 

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